sábado, 28 de fevereiro de 2009

Explicação da Vida

Porto, 2009 © Adelina Silva


Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.

Para que desses um nome
à exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.

E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.

Natália Correia, in "Livro dos Amantes – I"

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Amantes

Vila Nova de Gaia, 2009 © Adelina Silva

Harmonioso vulto que em mim se dilui.
Tu és o poema
e és a origem donde ele flui.
Intuito de ter. Intuito de amor
não compreendido.
Fica assim amor. Fica assim intuito.
Prometido.
Natália Correia, in "Livro dos Amantes - II"

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Sonho da Vida

Póvoa de Varzim, 2009 © Adelina Silva

Estou Vivo


(...)
É ver o copo, meio cheio, meio todo, falta pouco, é ver o lado de lá da mesma moeda
Planos traçamos mas depois adiamos, desistimos e a vida é sempre a mesma merda
Ninguém te ajuda quando tu mesmo não te ajudas e não fazes nada para mudar a tua vida
É bom sonhar mas é preciso acordar para concretizar e encontrar uma saída
Falo contigo e comigo e para todos, os que vivem o presente com medo do futuro
Nós não pedimos para nascer, já cá estamos, é viver porque amanhã é um tiro no escuro
É relativo, o teu drama mais terrível ao pé do drama do outro parece um filme para crianças
A vida dá-nos prendas e às vezes só damos valor quando essas prendas já não passam de lembranças
(...)
Moral da história: vive a vida aproveita porque a vida dá voltas e não avisa com antecedência


Letra: AC Firmino
Música: AC Firmino
Álbum: Preto no Branco - Boss AC

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Termina o Dia

Viana do Castelo, 2009 © Adelina Silva


(...)

quando termina o dia
e o sol consegue um pouco
abraçar a cidade
à luz razante e forte
que dura dois minutos
nas árvores que surgem
subitamente imensas
no ouro verde e negro
que é sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros deserdados
onde não sabes não
se vida rogo amor
algum dia erguerão
do pavimento cínzeo
algum claro limite
os pássaros de Londres
cumprem o seu dever
de cidadãos britânicos
que nunca nunca viram
os céus mediterrânicos

Mário Cesariny, in "Poemas de Londres"

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Silêncio

Viana do Castelo, 2009 © Adelina Silva

o silêncio tem a espessura das papoulas murchas
e os objectos parecem aproximar-se do sono
inclinam-se para o lado onde se situam os moinhos as ermidas os bosques diluídos
o nítido ladrar dos cães
que horas serão para lá desta fotografia?
(...)
Al Berto, in «Trabalhos do Olhar», Trabalhos do Olhar, 1976/82

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Arrojos

Póvoa de Varzim, 2009 © Adelina Silva

Se a minha amada um longo olhar me desse
Dos seus olhos que ferem como espadas,
Eu domaria o mar que se enfurece
E escalaria as nuvens rendilhadas.

Se ela deixasse, extático e suspenso
Tomar-lhe as mãos "mignonnes" e aquecê-las,
Eu com um sopro enorme, um sopro imenso
Apagaria o lume das estrelas.

Se aquela que amo mais que a luz do dia,
Me aniquilasse os males taciturnos,
O brilho dos meus olhos
O clarão dos relâmpagos nocturnos.

Se ela quisesse amar, no azul do espaço,
Casando as suas penas com as minhas,
Eu desfaria o Sol como desfaço
As bolas de sabão das criancinhas.

(...)
Cesário Verde

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Sózinha em casa

Self-portrait, 2009

Despertou com a sensação que um peso que lhe comprimia o corpo e lhe tolhia os movimentos. Há algum tempo que sentia esse desconforto, dores que lhe invadiam o corpo e a alma. O quarto estava na penumbra. Depois de alguns momentos de hesitação levantou-se. Ao passar pelo espelho estancou. Mirou-se.
A casa estava em silêncio. Estava sozinha. Tinha tempo. Despiu-se. Olhou-se. Gostou do que viu. Olhou-se nos olhos. Ficou assim durante algum tempo. Pensava em tudo e em nada.
Aquelas dores não pareciam ser de causa física. Resolveu examinar-se mais minuciosamente. Sim, definitivamente, estava tudo normal.
Mas as dores continuavam. As dores continuam. Voltou a vestir-se. Resolveu tomar um banho de imersão. Água quente, sais de banho, música de fundo, bem baixinha… e ali ficou. Fechou os olhos.
Um je ne sais quoi de estranho pairava no ar! Olhou à volta e tudo lhe parecia vazio... um vazio cheio de silêncio... e de calma.... e de ausência.
Os momentos iniciais de desconforto transformaram-se de repente em apreensão. Não gostava da solidão. A solidão assustava-a, mas ao mesmo tempo convidava-a a fazer-lhe companhia... e à falta de melhor convite...
Piscava-lhe o olho, convidava-a para tomar café, para um passo de dança, oferecia-lhe um livro, dormia com ela...

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Nós por Cá... tudo mal

Paços de Ferreira, 2009 Adelina Silva
Li, há uns tempos atrás, uma crónica do Hélder Pacheco, no Jornal de Notícias, intitulada "Preciosa Mediocridade".
Nela abordava um dos sete pecados capitais - a preguiça. Escrevia: "No 'síndrome do banco de dentro', vê-se nos autocarros, quem quer dar menos trabalho ao traseiro e poupar 50 cm de esforço". Falava a propósito das pessoas se sentarem na parte da coxia, em vez de se sentarem junto à janela, deixando esse lugar vago e as pessoas, que anseiam por esse lugar, constrangidas por pedirem para utilizá-lo. É bem verdade!
Deparei-me com a cena num Centro Comercial… havendo imensos lugares para aparcar o veículo, nada melhor do que estacionar em plena via e em sentido proibido… Claro que os restantes veículos que pretendiam passar, não tiveram outra solução do que engatar a marcha atrás. Só não se mete o carro dentro do centro, porque as portas que lhe dão acesso não o permitem. Como diria o Hélder Pacheco, para dar menos trabalho ao traseiro e poupar 50 cm de esforço, lixa-se a vida aos outros.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Sonho de uma noite de Inverno

- Ainda demoras muito a ir para a cama? - perguntou ela.
Ele respondeu: - Não, não... estou quase a acabar.
- Então aguardo. Não tenho sono.
Dirigiu-se para o sofá. Deitou-se, aconchegou-se, enroscou-se, colocando-se em posição fetal. A chuva batia nas persianas, o vento assobiava. Concentrou-se nesses sons. Passaram-lhe muitas imagens pela cabeça. Sentiu um calor a percorrer-lhe o corpo. Adormeceu.
Todos na casa sabiam que, devido às insónias que tinha frequentemente, quando adormecia em caso algum a deveriam acordar. Ele assim fez. Chamou pelo seu nome, mas não obteve resposta. Deixou apenas uma luz acesa e saiu da sala.
Acordou. Abriu os olhos. A sala estava em silêncio apenas com uma luz acesa. Olhou para o relógio - eram 4:38h. Sentiu que tinha dormido uma eternidade. O corpo não estava dorido. Espreguiçou-se. Levantou-se e dirigiu-se para o quarto. Deitou-se em silêncio. Sentiu uns braços que a abraçavam enquanto lhe sussurravam ao ouvido: Estava à tua espera. Adoro-te! Amas-me?
Ainda não completamente desperta, ficou na dúvida se o que tinha ouvido fazia parte do sonho. Sentiu que a abraçavam. Sentiu a respiração quente no seu pescoço. Tudo aquilo se estava a passar de verdade.
- Tens dúvidas? – respondeu.
- Se não estivesses comigo, não estaria com mais ninguém! – disse-lhe, enquanto a abraçava.
Com os corpos entrelaçados, adormeceram.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

A essência

Póvoa de Varzim, 2009 Adelina Silva

queria falar do mar
gostava de ter dito algo como isto:
- foi o mar
que me fez começar a pensar no amor,
mais do que noutra coisa;
quero dizer,
num amor por que valha a pena morrer,
num amor que consuma uma pessoa.

Yukio Mishima

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Dia dos Namorados

Valongo, 2008 Adelina Silva


Minha Querida,


Receias algumas vezes que não te ame tanto quanto desejas? Eu amo-te sempre e para sempre sem reserva. Quanto mais te conheço mais te amo… em todos os sentidos – mesmo os meus ciúmes são agonias de amor e, no mais acalorado paradoxismo, teria morrido por ti. Aflijo-te demais. Mas é o amor! Como posso evitá-lo? O último dos teus beijos é sempre o mais doce, o último dos teus sorrisos o mais brilhante, o último instante o mais delicado (…). Nada pode afastar os meus pensamentos, um momento que seja, de ti. Talvez isto seja um motivo mais de tristeza do que de alegria, mas não vou falar disso. Ainda que não me amasses, não poderia evitar esta devoção para contigo. (…) A minha mente é a mais insatisfeita e agitada das que foram entregues a um corpo. Nunca sinto repouso mental em nada nem em ninguém, excepto tu. Quando estás comigo os meus pensamentos não se dispersam. Tu centras sempre todos os meus sentidos. A ansiedade demonstrada pelos nossos amores na tua última carta é um imenso prazer para mim. Contudo, não deves pensar mais nisso para não me magoares. (…)


John Keats
(tradução livre)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Antes do amanhecer

Tinham-se encontrado em Viena, em 1994. Deambularam pela cidade mágica como se o tempo fora eterno. Prolongaram a conversa noite fora… Terminaram a noite num parque, olhando as estrelas. De manhã despedem-se numa estação de caminho de ferro – do amor e da vida.
Anos mais tarde encontram-se em Paris. Recordam, então, Viena. Ele brinca com a ideia de aproveitar os últimos minutos a amá-la furiosamente. Ela dir-lhe-á que não gosta de separações porque, ninguém substitui ninguém, sobretudo quando se atende aos pormenores. Em jeito de despedida ele fala-lhe da mulher e do filho e de como é pelo filho que procura manter a estabilidade, que é com alguma pena que vê o amor fugir-lhes, como o amor passa a ser pouco frequente na vida de casado, como se começam a distanciar... Que desejaria que tanto ele como a mulher fossem felizes... Ela fita-o, atónita. A imagem que tinha dele era a de um homem feliz: Pensamos sempre que só nós somos infelizes. Finalmente, ela confessa lembrar-se que se tinham realmente amado no parque, duas vezes, a olhar as estrelas.
Conclusão: o amor não é domesticável. O difícil é vivê-lo, sem o querer domesticar. O amor é uma espécie de milagre. Uma probabilidade num milhão de se encontrarem e, depois, muito mais provável o desencontro.
E poucos se reencontram assim. Mesmo que consigam voltar a encontrar-se, já são outros, são diferentes, a vida e os afectos passaram por eles, já não se conseguem reconhecer um no outro.
O amor também pode passar ao lado dos distraídos. E a vida e o mundo distrai-nos sempre.
O amor é uma valsa. No encontro e no reencontro.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Pensamento sentido

Oviedo, 2008 Adelina Silva
Pensa o sentimento, sente o pensamento;
que os teus cantos façam ninho sobre a terra,
e quando, em voo, um dia ao céu se ergam
nas nuvens não se percam.

precisam de sentir peso nas asas,
pois a coluna de fumo se dispersa;
algo que não é música é a poesia;
só fica a que se pensa.
Miguel de Unamuno

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Vénus



"Logo na noite em que te vi fiquei doido por não poder dormir contigo. Não conseguia adormecer. Uma tremenda cobiça dava-me cabo do desejo. Eras uma musa encantada, talvez fosse isso, ou um corpo que eu queria desfazer num aperto, ou mesmo as duas coisas misturadas. Tinhas o fascínio, a magia, a sedução perigosa que pode conduzir ao delírio e à morte. Tive de tomar comprimidos. Estavas de passagem e pelas ruas por onde seguias deixavas um rasto de desejo. Os homens olhavam-te com respeito, ficavam calados, baixavam os olhos. Não podia deixar de te perseguir. Era um golpe, uma dor de alma ver-te e não tocar-te. Logo que pude meti-me num avião que me levasse à tua cidade."
Pedro Paixão

Mundo Estúpido!!!!


domingo, 8 de fevereiro de 2009

Qual a medida do teu sonho?



Póvoa de Varzim, 2009 Adelina Silva

Póvoa de Varzim, 2009 Adelina Silva

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Um dia...

[sacas de açucar, Café Nicola]
Um dia... um dia farei isto e muito mais!!!
Palavra de honra! :-D

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Tempestade

Porto, 2009 Adelina Silva
Naquele dia, enquanto esperava, sentada ao volante do seu carro, sentiu-se desprotegida, incompreendida, só. A chuva batia forte, o vento sacudia, a visão estava turva. Pensava em tudo o que tinha acontecido, em tudo o que tinha sido dito e, sobretudo, nos silêncios entre as frases, nos suspiros e nos olhares.
Saudades…
Apercebeu-se do vazio… a mente estava ocupada… o coração batia descompassadamente. Com a respiração irregular entrecortada, sentiu-se envolvida por uma profunda melancolia. O que se passava afinal? Não se lembrava da última vez que se tinha sentido assim. Um turbilhão de sentimentos fustigava-lhe a mente. Parecia que um ciclone tinha tomado conta da sua vida. Olhou em frente.
Os carros passavam indiferentes… Para onde iam? Paravam e arrancavam; viravam à direita, à esquerda ou seguiam em frente. Qualquer um pode escolher o seu destino, pensou, o livre-arbítrio é próprio do ser humano.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Os deuses não pensam

Magaluff, 2008 Adelina Silva
(...)
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te.
A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

Ricardo Reis

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Fuga

Berlengas, 2008 Adelina Silva


Tenho pena e não respondo.
Mas não tenho culpa enfim
De que em mim não correspondo
Ao outro que amaste em mim.

Cada um é muita gente.
Para mim sou quem me penso,
Para outros - cada um sente
O que julga, e é um erro imenso.

Ah, deixem-me sossegar.
Não me sonhem nem me outrem.
Se eu não me quero encontrar,
Quererei que outros me encontrem?

Fernando Pessoa