sexta-feira, 30 de abril de 2010

A Espera

Porto, 2010 © Adelina Silva

Entre as definições da ilha planetária em que nos encontramos desterrados, uma das mais apropriadas seria: uma grande sala de espera. (…) Esperamos sempre alguma coisa ou alguém - que vem ou não, que passa ou desilude, que satisfaz ou mata. (…)E em toda a parte - nos parques públicos, nos cafés, nas salas - há o homem que espera uma mulher ou a mulher que espera um homem.
Todos, com diferentes paixões, esperam - sobretudo, as fortunas repentinas, as mudanças imprevistas, o insólito e, com frequência, o impossível. A imaginação trabalha, a fantasia floresce, a paciência suporta, a visão beatífica da hora de contemplação preenche as longas horas da vigília. Quando acontece ou se alcança o esperado, abrem-se todas as comportas da alegria. Mas por pouco tempo, pois a meta não é tão atraente como parecia de longe, ao longo do caminho - toda a vitória, no dia imediato, tem o mesmo sabor da derrota. Ou então surge demasiado tarde, quando o espírito se modificou e já não dispõe de forças para saborear o bem esperado durante tanto tempo; a mulher perfeita que se oferece, finalmente, quando o jovem ardente se tornou um velho saciado, árido ou flácido.

Giovanni Papini, in "Relatório Sobre os Homens"

domingo, 25 de abril de 2010

Encosta-te a mim

Póvoa de Varzim, 2010 © Adelina Silva

(…)
- A sua suave boca é como um ninho d’ave
onde as cerdas do meu bigode lhe emplumam o futuro.


Ruy Cinatti, in “Carta para a Pérsia”


Sugestão de Música
"Maybe This Time" - Kristen Chenoweth and Lea Michele

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Somos Livres (como a Gaivota)

Póvoa de Varzim, 2010 © Adelina Silva


Onde estavas no 25 de Abril de 1974?

(...)
Uma gaivota voava, voava,
asas de vento,
coração de mar.
Como ela, somos livres,
somos livres de voar.

(...)

Música e Letra: Ermelinda Duarte
Somos Livres (uma gaivota voava voava)

domingo, 18 de abril de 2010

O Jogo

Póvoa de Varzim, 2010 © Adelina Silva

Eu, sabendo que te amo,
e como as coisas do amor são difíceis,
preparo em silêncio a mesa
do jogo, estendo as peças
sobre o tabuleiro, disponho os lugares
necessários para que tudo
comece: as cadeiras
uma em frente da outra, embora saiba
que as mãos não se podem tocar,
e que para além das dificuldades,
hesitações, recuos
ou avanços possíveis, só os olhos
transportam, talvez, uma hipótese
de entendimento. É então que chegas,
e como se um vento do norte
entrasse por uma janela aberta,
o jogo inteiro voa pelos ares,
o frio enche-te os olhos de lágrimas,
e empurras-me para dentro, onde
o fogo consome o que resta
do nosso quebra-cabeças.
Nuno Júdice, in "A Fonte da Vida"

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Estilhaços

Póvoa de Varzim, 2010 © Adelina Silva

Escrevo sobre a mesa crepuscular, apoiando com força a pena em seu peito quase vivo, que geme e recorda o bosque natal. A tinta negra abre suas grandes asas. A lâmpada rebenta e uma capa de vidros estilhaçados cobre as minhas palavras. Um fragmento afiado de luz decepa-me a mão direita. Continuo a escrever com esse coto que jorra sombra. A noite entra no quarto, o muro defronte estende a sua bocarra de pedra, grandes tímpanos de ar interpõem-se entre a pena e o papel. Ah, um simples monossílabo bastaria para fazer saltar o mundo. Mas esta noite não há espaço para uma só palavra mais.

Octavio Paz, in “Antologia Poética”

terça-feira, 6 de abril de 2010

O Bobo, o Esperto e o Burro

Mijas, 1987 © Adelina Silva
Das Vantagens de Ser Bobo - Clarice Lispector

sábado, 3 de abril de 2010

Forca do Abismo

Póvoa de Varzim, 2010 © Adelina Silva


nenhum sofrimento conseguia desfazer
as muitas exaltações que mantinha
e mesmo à beira do abismo
exibia uma facilidade talvez sem razão
José Tolentino Mendonça

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Cavalo de Ferro

Porto, 2010 © Adelina Silva

Parecia um cavalo ofegante – os olhos cerrados, o suor escorrendo da raiz dos cabelos, espalhando-se pelas costas, pelos flancos, pelas pernas, quase todas descobertas. Um cavalo cego mordendo o céu branco de Agosto. Mas a voz da terra chamou-o, e um relincho prolongado encheu o leito do ribeiro, morreu no alto dos amieiros. Por fim, a paz desceu ao mundo.

Eugénio de Andrade, in “Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica”