sábado, 28 de maio de 2016

Primeira Imagem

Nazaré, 2016 © Adelina Silva

em moldura de escombro:
o céu azul,
relva escassa
de encontro a quadro
torto

parede recortada:
renda em cal

a branco:
o filho morto.

Ana Luísa Amaral, in "Inversos - Poesia 1990-2010"





domingo, 15 de maio de 2016

Destino

Lisboa, 2016 © Adelina Silva

Dia após dia a mesma vida é a mesma.
     O que decorre, Lídia,
No que nós somos como em que não somos
      Igualmente decorre.
Colhido, o fruto deperece; e cai
      Nunca sendo colhido.
Igual é o fado, quer o procuremos,
      Quer o esperemos. Sorte
Hoje, Destino sempre, e nesta ou nessa
      Forma alheio e invencível.

Fernando Pessoa, in "Odes de Ricardo Reis",  Lisboa: Ática, 1946

 

sábado, 30 de abril de 2016

Absurdo

Sítio, 2016 © Adelina Silva



A vida está cheia de uma infinidade de absurdos que nem sequer precisam de parecer verosímeis porque são verdadeiros.

Luigi Pirandello


quarta-feira, 30 de março de 2016

Solidão

Nanin, 2016 © Adelina Silva


Estás todo em ti, mar, e, todavia,
como sem ti estás, que solitário,
que distante, sempre, de ti mesmo!

Aberto em mil feridas, cada instante,
qual minha fronte,
tuas ondas, como os meus pensamentos,
vão e vêm, vão e vêm,
beijando-se, afastando-se,
num eterno conhecer-se,
mar, e desconhecer-se.

És tu e não o sabes,
pulsa-te o coração e não o sente...
Que plenitude de solidão, mar solitário!

Juan Ramón Jiménez, in "Diario de Un Poeta Reciencasado"


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

A casa do tempo perdido

Gondomar, 2014 © Adelina Silva


Bati no portão do tempo perdido, ninguém atendeu.
Bati segunda vez e mais outra e mais outra.
Resposta nenhuma.
A casa do tempo perdido está coberta de hera
pela metade; a outra metade são cinzas.
Casa onde não mora ninguém, e eu batendo e chamando
pela dor de chamar e não ser escutado.
Simplesmente bater. O eco devolve
minha ânsia de entreabrir esses paços gelados.
A noite e o dia se confundem no esperar,
no bater e bater.

O tempo perdido certamente não existe.
É o casarão vazio e condenado.

Carlos Drummond de Andrade


terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Azulejos da cidade

Póvoa de Varzim, 2016 © Adelina Silva

(...)
Azulejos desbotados
por quanto viram chorar.
Azulejos tão cansados
por quantos viram passar.

Podem dizer-vos que não,
podem querer-vos maltratar:
de dentro do coração
ninguém vos pode arrancar.
(...)

Ary dos Santos