domingo, 27 de fevereiro de 2011

Caminhos

Berlengas, 2008 ©Adelina Silva

(...)
Pra quê, caminhos do mundo?
Pra quê, andanças sem Fim?
Se todo o sonho profundo
Deste Mundo e do Outro-Mundo,
Não 'stá neles, mas em mim.

Francisco Bugalho, in "Paisagem"

sábado, 19 de fevereiro de 2011

O que é o Mar, Mãe?

Póvoa de Varzim, 2008 © Adelina Silva

"Mãe, o que é que é o mar, Mãe?" Mar era longe, muito longe dali, espécie duma lagoa enorme, um mundo d´água sem fim, Mãe mesma nunca tinha avistado o mar, suspirava. "Pois, Mãe, então mar é o que a gente tem saudade?"

Guimarães Rosa

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Domingo

Porto, 2010 © Adelina Silva

Ficou-lhe a paz. Do tempo
em que, movido o olhar à santidade,
parávamos no campo vendo
correr a água e adubar-se o caule
que abrirá sua roda de sustento
à fadiga do homem, que uma coroa de aves
reconhece no ar, de estar aberto
à cálida saúde da passagem.
Depois da missa, pelo domingo adentro,
crescia esta saudade
fresquíssima de estarmos tão atentos
à tarefa que, sem nós, a tarde
cumpre na terra. E mesmo ao pensamento
que amadurece nas árvores,
tocadas longe, no estremecimento
que se enreda por nós e em nós se abre.
Ficou-lhe a paz. O doce movimento

que nos inclina para a primeira idade.

Fernando Echevarria

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Quem semeia pedras...

Bombarral, 2010 © Adelina Silva


"O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes de emoção, as que são o património de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto de sua fria e desolada torre."


Vinicius de Moraes

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Eros e Psique

Vila Real, 2008 © Adelina Silva


Conta a lenda que dormia
Uma princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O Vale do Paraíso

Algures no Norte de Portugal, 2009 © Adelina Silva

Quando vier de novo o céu de maio largando estrelas
Eu irei, lá onde os pinheiros recendem nas manhãs úmidas
Lá onde a aragem não desdenha a pequenina flor das encostas
Será como sempre, na estrada vermelha a grande pedra recolherá sol
E os pequenos insetos irão e virão, e longe um cão ladrará
E nos tufos dos arbustos haverá enredados de orvalho nas teias de aranha.
As montanhas, vejo-as iluminadas, ardendo no grande sol amarelo
As vertentes algodoadas de neblina, lembro-as suspendendo árvores

(nas nuvens
As matas, sinto-as ainda vibrando na comunhão das sensações
Como uma epiderme verde, porejada.

Vinicius de Moraes, in "Poesia Completa e Prosa"