Bruxelas, 2013 © Adelina Silva
Nós não nos
damos conta de como a arte nos trespassa de todo o lado. Anotar isso aos que
vaticinam a morte da arte. Isto ao nível mais corriqueiro. Dispor os móveis
numa sala é fazer arte. Ou olhar uma paisagem, pôr uma flor na lapela, ou num
vaso. Escolher uma gravata, uns sapatos. Provar um fato. Pentear-se. Fazer a
barba ou apará-la quando comprida. Todas as coisas de cerimónia têm que ver com
a arte. E o corte das unhas.
Todo o jogo. Toda a verdade que releva da emoção. Às vezes mesmo a
escolha do papel higiénico. Mas mesmo a desordem. Bergson, creio, dizia que se
tudo fosse desordenado, nós acabaríamos por ler aí uma ordem. E não é o que
fazemos ao inventarmos as constelações? Admitir a morte da arte é admitir a
morte do homem, que impõe essa arte a tudo o que vê. Mas tenho de ir à casa de
banho. A ver se invento arte mesmo aí. (Mas quando disse «casa de banho» e não
«retrete», já a inventei.)
Vergílio
Ferreira, in “Conta-Corrente 3”
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