quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Lembra-te

Ericeira, 2013 © Adelina Silva

Lembra-te 
que todos os momentos 
que nos coroaram 
todas as estradas 
radiosas que abrimos 
irão achando sem fim 
seu ansioso lugar 
seu botão de florir 
o horizonte 
e que dessa procura 
extenuante e precisa 
não teremos sinal 
senão o de saber 
que irá por onde fomos 
um para o outro 
vividos 


Mário Cesariny, in "Pena Capital"


quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O amor não pode esperar

Múrcia, 2013 © Adelina Silva

Quero me casar 

na noite na rua 
no mar ou no céu 
quero me casar. 

Procuro uma noiva 
loura morena preta ou azul 
uma noiva verde uma noiva no ar 
como um passarinho. 
Depressa, que o amor não pode esperar! 

Carlos Drummond de Andrade, in "Alguma Poesia"

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Evolução

Magaluf, 2013 © Adelina Silva

(...)
Rugi, fera talvez, buscando abrigo 
Na caverna que ensombra urze e giesta; 
O, monstro primitivo, ergui a testa 
No limoso paúl, glauco pascigo... 

Hoje sou homem, e na sombra enorme 
Vejo, a meus pés, a escada multiforme, 
Que desce, em espirais, da imensidade... 

Interrogo o infinito e às vezes choro... 
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro 
E aspiro unicamente à liberdade. 


Antero de Quental, in "Sonetos"

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Verdades

Múrcia, 2013 © Adelina Silva

Na maioria das vezes é no escuro que tropeçamos na verdade, esbarramos nela, ou vislumbramos uma imagem ou uma forma que parece corresponder à verdade, muitas vezes sem nos darmos conta disso. Mas a verdade verdadeira é que, na arte do teatro, não há nunca uma verdade única que possamos encontrar. Há muitas. Estas verdades desafiam-se mutuamente, fogem, reflectem-se, ignoram-se, espicaçam-se, são insensíveis umas às outras. Às vezes pensamos que temos a verdade de um momento na mão, e depois ela escapa-se-nos por entre os dedos e desaparece. 

Harold Pinter, in "Discurso de Aceitação do Prémio Nobel"

terça-feira, 3 de setembro de 2013

A calma é tão profunda

San Pedro del Pinatar, 2013 © Adelina Silva


A calma é tão profunda
e abstracta que a sua fórmula não vem nos livros
e não há movimentos que a desenhem
o importante não tem tamanho para caber na televisão.

Gonçalo M. Tavares