sexta-feira, 26 de março de 2010

Local Incerto

Porto, 2010 © Adelina Silva

O silêncio nos invade
quando o teu olhar se afasta
e se despe, em local incerto.

João-Maria Nabais

segunda-feira, 22 de março de 2010

Inevitabilidade

Avintes, 2010 © Adelina Silva

quando eu morrer murmura esta canção
que escrevo para ti. quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver
as aves pardas do anoitecer
a revoar na minha solidão.

quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,
e diz do nosso amor como se não

tivesse de acabar, sempre a doer,
sempre a doer de tanta perfeição
que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.

Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"

quarta-feira, 17 de março de 2010

Quem tem coragem de perguntar?

Porto, 2010 © Adelina Silva

Quem tem coragem de perguntar, na noite imensa?
E que valem as árvores, as casas, a chuva, o pequeno transeunte?

Que vale o pensamento humano,

esforçado e vencido,
na turbulência das horas?

Que valem a conversa apenas murmurada,

a erma ternura, os delicados adeuses?

Que valem as pálpebras da tímida esperança,
orvalhadas de trémulo sal?

O sangue e a lágrima são pequenos cristais subtis,

no profundo diagrama.

E o homem tão inutilmente pensante e pensado
só tem a tristeza para distingui-lo.
Cecília Meireles

sábado, 13 de março de 2010

Ironias do Desgosto

Avintes, 2010 © Adelina Silva

(...)
Há quem te julgue um velho.
O teu sorriso é falso;
Mas quando tentas rir parece então, meu bem,
Que estão edificando um negro cadafalso
E ou vai alguém morrer ou vão matar alguém!
Eu vim - não sabes tu? - para gozar em maio,
No campo, a quietação banhada de prazer!
Não vês, ó descorado, as vestes com que saio,
E os júbilos, que abril acaba de trazer?

Cesário Verde, in 'O Livro de Cesário Verde'

sábado, 6 de março de 2010

Silêncio

Póvoa de Varzim, 2010 © Adelina Silva

O silêncio é a sombra
em que me escondo,
em que despejo a minha dor
como um lamento,
a saudade é a penumbra
em que me encontro,
e o desejo a cor em que me ausento.


Alexandra Malheiro, in “Sombras da Noite”

quarta-feira, 3 de março de 2010

Coração Polar

Póvoa de Varzim, 2010 © Adelina Silva

(…)
Não sei de cor é essa linha
onde se cruza a lua e a mastreação
mas sei que em cada rua há uma esquina
uma abertura entre a rotina e a maravilha
há uma hora de fogo para o azul
a hora em que te encontro e não te encontro
há um ângulo ao contrário
uma geometria mágica onde tudo pode ser possível
há um mar imaginário aberto em cada página
não me venham dizer que nunca mais
as rotas nascem do desejo
e eu quero o cruzeiro do sul das tuas mãos
quero o teu nome escrito nas marés
nesta cidade onde no sítio mais absurdo
num sentido proibido ou num semáforo
todos os poentes me dizem quem tu és.
Manuel Alegre