segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Oceano Nox

Porto Covo, 2015 © Adelina Silva

Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vôo do pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente...

Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais?

Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais...


Antero de Quental, in "Sonetos"


sábado, 22 de agosto de 2015

O meu horizonte

Es Trenc, 2015 © Adelina Silva

Penso muitas vezes no dia em que vislumbrei o mar pela primeira vez. O mar é grande, o mar é imenso, o meu olhar vagueava pela praia fora e esperava ser libertado: mas lá ao fundo, porém, estava o horizonte. Por que razão tenho eu um horizonte? Da vida, eu esperei o infinito.
Acaso será mais estreito, o meu horizonte, do que o das outras pessoas? Disse que me falta o sentido dos factos — acaso terei esse sentido em demasia? Desisto cedo de mais? Acabo depressa de mais? Será que conheço a felicidade e a dor apenas nos graus mais baixos, apenas no estado rarefeito?

Thomas Mann, in "Contos"


segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O boi da paciência

Vilarinho Seco, 2015 © Adelina Silva

(...)
A tua marcha lenta enerva-me e satura-me
as constelações são mais rápidas nos céus
a terra gira com um ritmo mais verde que o teu passo
Lá fora os homens caminham realmente
Há tanta coisa que eu ignoro
e é tão irremediável este tempo perdido!
Ó boi da paciência sê meu amigo!

António Ramos Rosa, in "O Grito Claro"