sábado, 25 de julho de 2009

O tempo é um artista

Póvoa de Varzim, 2009 © Adelina Silva

A ideia de que somente é belo o que é novo e jovem envenena as nossas relações com o passado e com o nosso próprio futuro. Impede-nos de compreender as nossas raízes e as maiores obras da nossa cultura e das outras culturas. Faz-nos também recear o que está à nossa frente e leva muita gente a fugir à realidade.

Walter Kaufmann, in 'O Tempo é um Artista'

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Projectar o Passado

Ciudad Rodrigo, 2009 © Adelina Silva


O presente estaria cheio de todos os futuros, se já o passado não projectasse sobre ele uma história. Mas, infelizmente, um único passado propõe um único futuro - projecta-o diante de nós como um ponto infinito sobre o espaço.

André Gide, in 'Os Frutos da Terra'



terça-feira, 21 de julho de 2009

A Primeira de Todas as Paixões

Madrid, 2009 © Adelina Silva

Quando o primeiro contacto com algum objecto nos surpreende e o consideramos novo ou muito diferente do que conhecíamos antes ou então do que supunhamos que ele devia ser, isso faz que o admiremos e fiquemos espantados com ele. E como tal coisa pode acontecer antes que saibamos de alguma forma se esse objecto nos é conveniente ou não, a admiração parece-me ser a primeira de todas as paixões. E ela não tem contrário, porque, se o objecto que se apresenta nada tiver em si que nos surpreenda, não somos emocionados por ele e consideramo-lo sem paixão.

René Descartes, in "As Paixões da Alma"

sábado, 18 de julho de 2009

Ser Diferente

Madrid, 2009 © Adelina Silva

A única salvação do que é diferente é ser diferente até o fim, com todo o valor, todo o vigor e toda a rija impassibilidade; tomar as atitudes que ninguém toma e usar os meios de que ninguém usa; não ceder a pressões, nem aos afagos, nem às ternuras, nem aos rancores; ser ele; não quebrar as leis eternas, as não-escritas, ante a lei passageira ou os caprichos do momento; no fim de todas as batalhas — batalhas para os outros, não para ele, que as percebe — há-de provocar o respeito e dominar as lembranças; teve a coragem de ser cão entre as ovelhas; nunca baliu; e elas um dia hão-de reconhecer que foi ele o mais forte e as soube em qualquer tempo defender dos ataques dos lobos.

Agostinho da Silva, in 'Diário de Alcestes'

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Por Entre os Sons da Música

Ávila, 2009 © Adelina Silva

Por entre os sons da música, ao ouvido
como a uma porta que ficou entreaberta
o que se me revela em ter sentido
é o que por essa música encoberta

acena em vão do outro lado dela
e eu sinto como a voz que respondesse
ao que em mim não chamou nem está nela,
porque é só o desejar que aí batesse.

Vergílio Ferreira

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Schiuuuuu.....

Salamanca, 2009 © Adelina Silva

Dever ser silenciado é bem mais do que deixar de falar, ficar calado. É também aceitar, obedecer. Uma interdição de falar do que não se pode falar e um dever de obedecer, de aceitar. Estranha é a nossa situação. Não só não se consegue falar do que mais importa, como ao falar o humano sofre uma experiência de queda no mundo, em que o espírito sai diminuído. A conversa distrai. Só o silêncio fortalece o espírito, o único milagre.
Pedro Paixão

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A minha certeza

Madrid, 2009 © Adelina Silva

Creio que foi mesmo aí, mesmo agora, que nos encontrámos nesse lugar um pouco antes das palavras. (...) Eu amo lagos e tu amas lagos. Tu amas correr o risco de não alcançares o teu destino. Eu amo a tua ansiedade. Os teus olhos raiados de azul e verde. O brilho dos astros reflectido na tua face sem máscara. Amo-te antes de te amar e por isso o que nos une por não ter princípio não terá fim. As almas são imortais. É a única certeza.

Pedro Paixão

sexta-feira, 10 de julho de 2009

A minha Fonte

Sevilla, 2009 © Adelina Silva

Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser, vivo e total,
À agitação do mundo do irreal,
E calma subirei até às fontes.
Irei até às fontes onde mora
A plenitude, o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora,
E na face incompleta do amor.
Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz dessa promessa
Que às vezes como um voo me atravessa,
E nela cumprirei todo o meu ser.
Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Imortal

Madrid, 2009 © Adelina Silva

"Desejei-te ontem, demais, e hoje também. Todos os dias são o mesmo dia quando te desejo assim. Só penso em ti. És inigualável. De olhos fechados consigo encontrar-te noutros corpos, mas só o teu amo de olhos abertos. Amo-te demais. (...) Não te peço o teu amor. De ti não exijo nada. Mas nunca me digas que o amor é impossível. Tu fazes-me viver, sonhar, acordar com pesadelos. Quando te escrevo tu não foges das minhas páginas. Acompanho o teu sorriso de longe e de perto, meu príncipe das trevas, lindo. Guardo comigo o teu olhar e sei que te recordas do meu corpo a tentar convencer-te que o meu amor é inteiro, embora nunca o seja o bastante. É bom desconfiar do amor porque ele às vezes é traiçoeiro, metamorfoseia-se em reles sentimentos, eras tu que mo dizias. Eu não concordo. Desculpa-me príncipe, o ter-te acordado hoje tão cedo. (...) Tu sabes que eu sou uma apaixonada. Perdoa-me. Diz qualquer coisa logo que possas. Sinto saudades, é só. Não existe corpo, não existe face, não existe sexo e existe tudo isso.
Só o amor é imortal, acredita."



Pedro Paixão

domingo, 5 de julho de 2009

Hora Absurda

Salamanca, 2009 © Adelina Silva

(…)
E eu deliro... De repente pauso no que penso... Fito-te
E o teu silêncio é uma cegueira minha... Fito-te e sonho...
Há coisas rubras e cobras no modo como medito-te,
E a tua ideia sabe à lembrança de um sabor de medonho...

Para que não ter por ti desprezo? Porque não perdê-lo?...
Ah, deixa que eu te ignore... O teu silêncio é um leque —
Um leque fechado, um leque que aberto seria tão belo, tão belo,
Mas mais belo é não o abrir, para que a Hora não peque...

Gelaram todas as mãos cruzadas sobre todos os peitos...
Murcharam mais flores do que as que havia no jardim...
O meu amar-te é uma catedral de silêncios eleitos,
E os meus sonhos uma escada sem princípio mas com fim...


Alguém vai entrar pela porta... Sente-se o ar sorrir...

(…)

Fernando Pessoa

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Dança com Sapatos de Ferro

Póvoa de Varzim, 2009 © Adelina Silva

Era uma vez uma princesinha muito bonita, que estava a contemplar num espelho os seus lindos cabelos loiros, quando, de repente, lhe apareceu uma velha muito feia que lhe pediu que a deixasse pentear, pois nunca vira cabelos tão lindos. A princesinha, que teve muito medo da velha, não quis. Então a velha rogou-lhe uma praga – que tu tenhas de ir dançar todas as noites com o Diabo no Inferno, até gastares sete pares de sapatos de ferro. E nessa noite, quando a princesinha dormia, ao dar a última badalada da meia noite, foi levada pelo Diabo.

Ruy Coelho

[Com coreografia e interpretação de José de Almada Negreiros, Diabo, e Maria Mello Brayner, Princesa, foi apresentada no Teatro Nacional de S. Carlos, em Lisboa a 10 de Abril de 1918, três anos após a sua primeira representação (no palácio dos marqueses de Castelo-Melhor, na mesma cidade), A Princesa dos Sapatos de Ferro, obra composta em Berlim por Ruy Coelho, em 1912. O argumento é do próprio Compositor, baseado num conto popular.]