Era uma vez uma gaivota que gostava de ser pomba.
Dizia ela que as gaivotas não servem para nada, ao passo que as pombas sempre servem para alguma coisa. (…) Ficou sozinha a gaivota que queria ser pomba. (…) A gaivota que queria ser pomba ficou a olhar o mar. Ia abrir as suas asas para as lançar sobre as ondas, à cata de peixinho para o almoço, quando um estranho torpor lhe tomou o corpo. Deteve-se. Encolheu-se. Tapou a cabeça com uma asa. Aquilo havia de passar. (…)
— Estão as gaivotas em terra — disse uma voz humana, abrindo uma janela, junto à praia. — Vai haver tempestade. Sendo assim, já não me arrisco a ir para o ar.
De facto, quando as gaivotas ficam em terra, os pescadores sabem que o tempo vai mudar. Elas é que dão o sinal. Elas é que sabem. Elas é que pressentem quando a tempestade se aproxima.
“Afinal, sempre tenho alguma utilidade”, pensou a gaivota que queria ser pomba, toda enrolada numa bola de penas, e, daí em diante, preferiu continuar a ser gaivota.
António Torrado