sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Olhar devagar

Bruxelas, 2013 © Adelina Silva


Não esqueças sobretudo a armadura
da noite,
a aspereza das estrelas
quando os olhos são recentes
e a gravitação é como um poder
sucinto nas mãos.

(...)

Não esqueças sobretudo de olhar devagar. 

Vasco Gato

domingo, 24 de novembro de 2013

Viver o Hoje

Bruxelas, 2013 © Adelina Silva

O tempo não existe. O que chamamos de tempo é o movimento de evolução das coisas, mas o tempo em si não existe. Ou existe imutável e nele nos transladamos. O tempo passa depressa demais e a vida é tão curta. Então — para que eu não seja engolido pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa — eu cultivo um certo tédio. Degusto assim cada detestável minuto. E cultivo também o vazio silêncio da eternidade da espécie. Quero viver muitos minutos num só minuto. Quero me multiplicar para poder abranger até áreas desérticas que dão a idéia de imobilidade eterna. Na eternidade não existe o tempo. Noite e dia são contrários porque são o tempo e o tempo não se divide. De agora em diante o tempo vai ser sempre atual. Hoje é hoje. 

Clarice Lispector, in "Um Sopro de Vida"

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Cheira a mudança

Barcelona, 2013 © Adelina Silva


Num país distante, vivia um povo tranquilo. As ondas sujas e revoltas dos problemas do mundo só muito raramente vinham dar às belas praias quentes e acolhedoras daquele lugar. Isolados de tudo, e orgulhosos de o estarem, os habitantes dedicavam o seu tempo essencilmente ao trabalho, à família, ao ócio e aos amigos.
Porém, havia algum tempo que algo de indefínivel se alterara. As flores não tinham o mesmo perfume e o mel perdera a doçura. (...) A atmosfera tornara-se pesada, como que habitada pelo rugir surdo que anuncia uma forte trovoada. 

Shafique Keshavjee, in "O Rei, o Sábio e o Bobo"

sábado, 9 de novembro de 2013

Regalai os olhos

Bruxelas, 2013 © Adelina Silva

Poemas são como vitrais pintados! 
Se olharmos da praça para a igreja, 
Tudo é escuro e sombrio; 
E é assim que o Senhor Burguês os vê. 
Ficará agastado? — Que lhe preste!... 
E agastado fique toda a vida! 

Mas — vamos! — vinde vós cá para dentro, 
Saudai a sagrada capela! 
De repente tudo é claro de cores: 
Súbito brilham histórias e ornatos; 
Sente-se um presságio neste esplendor nobre; 
Isto, sim, que é pra vós, filhos de Deus! 
Edificai-vos, regalai os olhos! 


Johann Wolfgang von Goethe, in "Poemas" 

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Mar Português

Vila do Conde, 2013 © Adelina Silva


Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Fernando Pessoa, in "Mensagem"


domingo, 3 de novembro de 2013

Somente Tu

 Roma, 2013 © Adelina Silva

Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar para atravessar o rio da vida, ninguém exceto tu, somente tu. Existem, por certo inúmeras veredas, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te do outro lado do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa: tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho, por onde só tu podes passar. Para onde leva? Não perguntes, segue-o.

Nietzsche