quinta-feira, 29 de julho de 2010

Elogio ao Vício

Magalluf, 2010 © Adelina Silva

Admiro os viciados. Num mundo em que está toda a gente à espera de uma catástrofe total e aleatória ou de uma doença súbita qualquer, o viciado tem o conforto de saber aquilo que quase de certeza estará à sua espera ao virar da esquina. Adquiriu algum controlo sobre o seu destino final e o vício faz com que a causa da sua morte não seja uma completa surpresa.
De certo modo, ser um viciado é uma coisa bastante proactivista. Um bom vício retira à morte a suposição. Existe mesmo uma coisa que é planear a tua fuga.

Chuck Palahniuk, in "Asfixia"

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O Velho e o Pássaro

Porto, 2010 © Adelina Silva

- Que idade tens? - perguntou-lhe o velho. - É a tua primeira viagem?
O pássaro fitou-o, enquanto ele lhe falava. Estava tão cansado que nem examinava a linha, e tremia nas delicadas patas enclavinhadas nela.
- Está tesa, tesa demais - disse o velho. - Não devias estar tão cansado, depois de uma noite sem vento. No que estarão dando os pássaros? "Os falcões, pensou, que saem ao largo, ao encontro deles". Mas nada disto disse ao pássaro, que de resto não sabia entendê-lo e não tardaria a aprender quem os falcões eram.
- Repousa à vontade, passarito. E, depois, vai, e vive a tua vida, como os homens, os pássaros e os peixes.
Deu-lhe coragem a conversa, porque as costas haviam ficado dormentes de noite e lhe doíam, agora, de verdade.
- Fica em minha casa, se preferes, ó pássaro. Tenho pena de não poder içar a vela e levar-te com a aragem que se está levantando. Mas estou com um amigo.

Ernest Hemingway, in "O Velho e o Mar"

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Partir

Porto, 2010 © Adelina Silva

Ainda que atravesses a vastidão do mar, ainda que, como diz o nosso Vergílio, as costas, as cidades desapareçam no horizonte, os teus vícios seguir-te-ão onde quer que tu vás. Do mesmo se queixou um dia alguém a Sócrates: «Porquê admirar-te da inutilidade das tuas viagens,» - foi a resposta, - «se para todo o lado levas a mesma disposição? A causa que te aflige é exactamente a mesma que te leva a partir!» De facto, em que pode ajudar a mudança de local, ou o conhecimento de novas paisagens e cidades? Toda essa agitação carece de sentido. Andares de um lado para o outro não te ajuda em nada, porque andas sempre na tua própria companhia. (…) O que tu fazes agora não é viajar, mas sim andar à deriva, a saltar de um lado para o outro, quando na realidade o que tu pretendes - viver segundo a virtude - podes consegui-lo em qualquer sítio.

Séneca, in “Cartas a Lucílio”

domingo, 11 de julho de 2010

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Contemplação

Póvoa de Varzim, 2010 © Adelina Silva

Quem descuida a vida, embevecido numa ingénua contemplação (e todas as contemplações são ingénuas), não vê as coisas com desprendimento, dotadas de livre, complexo e contrastante movimento, que forma a essência da sua comicidade. O típico da contemplação é, pelo contrário, determo-nos no sentimento difuso e vivaz que surge em nós ao contacto com as coisas. É aqui que reside a desculpa dos contemplativos: vivem em contacto com as coisas e, necessariamente, não lhes sentem as singularidades e características; sentem-nas, pura e simplesmente.
Os práticos - paradoxo - vivem distantes das coisas, não as sentem, mas compreendem o mecanismo que as faz funcionar. E só ri de uma coisa quem está distante dela. Aqui está, implícita, uma tragédia: habituamo-nos a uma coisa afastando-nos dela, quer dizer, perdendo o interesse.

Cesare Pavese, in "O Ofício de Viver"

Sugestão Musical
Bliss - Remember my name

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Sentidos


Póvoa de Varzim, 2010 © Adelina Silva

De todos os sentidos, a vista é o mais superficial, o ouvido o mais orgulhoso, o olfacto o mais voluptuoso, o gosto o mais supersticioso e inconstante, o tacto o mais profundo.
Denis Diderot

Sugestão Musical

Ludovico Einaudi - Nuvole Bianche