quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

O que diz o rio além?

Porto, 2013 © Adelina Silva

Que diz além, além entre montanhas,
O rio Doiro à tarde, quando passa?
Não há canções mais fundas, mais estranhas,
Que as desse rio estreito de água baça!...
Que diz ao vê-lo o rosto da cidade?
Ó ruas torturadas e compridas,
Que diz ao vê-lo o rosto da cidade
Onde as veias são ruas com mil vidas?...
Em seus olhos de pedra tão escuros
Que diz ao vê-lo a Sé, quase sombria?
E a tão negra muralha à luz do dia?
E as ameias partidas sobre os muros?
Vergam-se os arcos gastos da Ribeira...
Que triste e rouca a voz dos mercadores!...
Chegam barcos exaustos da fronteira
De velas velhas, já multicolores...
Sinos, caixões, mendigos, regimentos,
Mancham de luto o vulto da cidade...
Que diz o rio além? Por que não há-de
Trazer ao burgo novos pensamentos?
Que diz o rio além? Ávido, um grito
Surge, por trás das aparências calmas...
E o rio passa torturado, aflito,
Sulcando sempre o seu perfil nas almas!...


Pedro Homem de Mello, in "Poesias Escolhidas"


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

A escada da vida

Sintra, 2013 © Adelina Silva


É uma escada em caracol
E que não tem corrimão.
Vai a caminho do Sol
Mas nunca passa do chão.
(...)
Quem tem medo não a sobe
Quem tem sonhos também não.
Há quem chegue a deitar fora
O lastro do coração.

Sobe-se numa corrida.
Corre-se p'rigos em vão.
Adivinhaste: é a vida
A escada sem corrimão.

David Mourão Ferreira


sábado, 15 de fevereiro de 2014

Tu vinhas... e eu espero.

Bruxelas, 2013 © Adelina Silva

Não me fizeste sofrer 
mas esperar. 

(...)
Eu não sofri, meu amor, 
esperava-te apenas. 

(...)
Não sofri a procurar-te, 
sabia que virias, 
mas outra, com o que adoro 
da mulher que não adorava, 
com teus olhos, tuas mãos e tua boca, 
mas com outro coração, 
que amanheceu a meu lado 
como se sempre tivesse estado ali 
para continuar comigo para sempre. 


Pablo Neruda, in "Os Versos do Capitão"


terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Dia Chuvoso


Póvoa de Varzim, 2014 © Adelina Silva


Hoje o dia é um dia chuvoso e triste 
amortalhado 
Naquela monotonia doente dos grandes dias. 

Hoje o dia...
 (a pena caiu-me das mãos) 

Acabou-se o poema no papel. 
Cá por dentro 
Continua... 

Oh! este marulhar das almas no silêncio! 


Fernando Namora, in "Relevos"