quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Começo a conhecer-me. Não existo.

Bruxelas, 2013 © Adelina Silva

Começo a conhecer-me. Não existo. 
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram, 
ou metade desse intervalo, porque também há vida ... 
Sou isso, enfim ... 
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor. 
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo. 
É um universo barato. 


Álvaro de Campo, in "Poemas"


terça-feira, 22 de outubro de 2013

Até ao fundo do mundo

Bruxelas, 2013 © Adelina Silva

(...)
a mais certa certeza de que gosto de ti, como
gostas de mim, até ao fundo do mundo que me deste.

Nuno Júdice

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A desordem do belo

Barcelona, 2013 © Adelina Silva


Quebrar bem cada ladrilho,
sobretudo dos de cor mais forte.
como confetes imprevistos,
atirá-los ao acaso;
fazê-los espalhar-se ao léu,
sem plano algum.
Depois, pregá-los à cal do muro,
como se salpicam estrelas no céu.
Ou seja, ordená-los
na desordem do belo.
(…)
Assim fez Antoni,
arquiteto eterno,
ao visitar, de madrugada,
o banco-rio
do Parque Güell,
a meio caminho
entre Los Caidos e o Coliseu.

José Nêumanne Pinto, in "Barcelona, Borborema"


quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Bom Dia!

Bilbao, 2012 © Adelina Silva

(...)
Em todas as ruas te encontro 
em todas as ruas te perco 


Mário Cesariny, in "Pena Capital"


sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Palavras para a minha mãe

Bilbao, 2012 © Adelina Silva

mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses 
as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz. 
sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente. 

pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste 
tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te 
desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente. 

às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo, 
a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia 
mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz. 

lê isto: mãe, amo-te. 

eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não 
escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que 
não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não 
as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes. 


José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Proporção Áurea

Matosinhos, 2013 © Adelina Silva

(...)
Todos os dígitos seguintes são apenas o começo,
cinco
nove dois
 porque ele nunca termina.

Não se pode capturá-lo seis cinco
três cinco
 com um olhar,

oito nove com o cálculo,
sete
nove
 ou com a imaginação,

nem mesmo três dois três oito
comparando-o de brincadeira
quatro seis com qualquer outra
coisa
dois seis quatro três deste mundo.

(...)


Wislawa Szymborska