terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Sonho?

Nazaré, 2016 © Adelina Silva

Quem sonha mais, vais-me dizer — 
Aquele que vê o mundo acertado 
Ou o que em sonhos se foi perder? 

Alexander Search

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Tempo Revisitado

Portão enferrujado, com diversas camadas de folha de ferro e pregos.

Toledo, 2017 © Adelina Silva

O tempo a que sempre regressamos 
e nos visita um instante 

O tempo que depois destruímos 
construímos e ali- 
mentamos se nos 
alimenta 

O tempo onde a luz buscamos e 
a morte sempre 
encontramo


Casimiro de Brito, in "Mesa do Amor" 

domingo, 17 de setembro de 2017

Para além da Trafaria

Trafaria, 2017 © Adelina  Silva

- Minha mãe, haverá mundo
para além da Trafaria?

- Não sei, meu filho. Não sei.
Tudo aquilo que sabia
já no meu sangue te dei.

- Que serras são estas, mãe,
que não nos deixam ver nada?

- São rugas que a Terra tem.
Não maces a tua mãe.
Deixa-me estar descansada.

- Ó mãe, que rio é aquele?
Onde nasce e onde morre?

- Ó filho, é Deus que o impele.
Entretem-te a olhar para ele.
É um rio. Tem água. Corre.

 (...)

 António Gedeão


sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Intifada

Salamanca, 2017 © Adelina Silva

Retribua com flores a todas as pedras que te atirarem.


sábado, 28 de maio de 2016

Primeira Imagem

Nazaré, 2016 © Adelina Silva

em moldura de escombro:
o céu azul,
relva escassa
de encontro a quadro
torto

parede recortada:
renda em cal

a branco:
o filho morto.

Ana Luísa Amaral, in "Inversos - Poesia 1990-2010"





domingo, 15 de maio de 2016

Destino

Lisboa, 2016 © Adelina Silva

Dia após dia a mesma vida é a mesma.
     O que decorre, Lídia,
No que nós somos como em que não somos
      Igualmente decorre.
Colhido, o fruto deperece; e cai
      Nunca sendo colhido.
Igual é o fado, quer o procuremos,
      Quer o esperemos. Sorte
Hoje, Destino sempre, e nesta ou nessa
      Forma alheio e invencível.

Fernando Pessoa, in "Odes de Ricardo Reis",  Lisboa: Ática, 1946

 

sábado, 30 de abril de 2016

Absurdo

Sítio, 2016 © Adelina Silva



A vida está cheia de uma infinidade de absurdos que nem sequer precisam de parecer verosímeis porque são verdadeiros.

Luigi Pirandello


quarta-feira, 30 de março de 2016

Solidão

Nanin, 2016 © Adelina Silva


Estás todo em ti, mar, e, todavia,
como sem ti estás, que solitário,
que distante, sempre, de ti mesmo!

Aberto em mil feridas, cada instante,
qual minha fronte,
tuas ondas, como os meus pensamentos,
vão e vêm, vão e vêm,
beijando-se, afastando-se,
num eterno conhecer-se,
mar, e desconhecer-se.

És tu e não o sabes,
pulsa-te o coração e não o sente...
Que plenitude de solidão, mar solitário!

Juan Ramón Jiménez, in "Diario de Un Poeta Reciencasado"


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

A casa do tempo perdido

Gondomar, 2014 © Adelina Silva


Bati no portão do tempo perdido, ninguém atendeu.
Bati segunda vez e mais outra e mais outra.
Resposta nenhuma.
A casa do tempo perdido está coberta de hera
pela metade; a outra metade são cinzas.
Casa onde não mora ninguém, e eu batendo e chamando
pela dor de chamar e não ser escutado.
Simplesmente bater. O eco devolve
minha ânsia de entreabrir esses paços gelados.
A noite e o dia se confundem no esperar,
no bater e bater.

O tempo perdido certamente não existe.
É o casarão vazio e condenado.

Carlos Drummond de Andrade


terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Azulejos da cidade

Póvoa de Varzim, 2016 © Adelina Silva

(...)
Azulejos desbotados
por quanto viram chorar.
Azulejos tão cansados
por quantos viram passar.

Podem dizer-vos que não,
podem querer-vos maltratar:
de dentro do coração
ninguém vos pode arrancar.
(...)

Ary dos Santos




terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Passagem

Lisboa, 2015 © Adelina Silva

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

Cesário Verde


sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Lembrar e ser lembrado

Lisboa, 2015 © Adelina Silva




Para isso fomos feitos:

Para lembrar e ser lembrados

Para chorar e fazer chorar

Para enterrar os nossos mortos —

Por isso temos braços longos para os adeuses

Mãos para colher o que foi dado

Dedos para cavar a terra.

Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer

Uma estrela a se apagar na treva

Um caminho entre dois túmulos —

Por isso precisamos velar

Falar baixo, pisar leve, ver

A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:

Uma canção sobre um berço

Um verso, talvez de amor

Uma prece por quem se vai —

Mas que essa hora não esqueça

E por ela os nossos corações

Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:

Para a esperança no milagre

Para a participação da poesia

Para ver a face da morte —

De repente nunca mais esperaremos...

Hoje a noite é jovem; da morte, apenas

Nascemos, imensamente.

Vinicius de Moraes

Em memória do meu amigo André (f. - 11.12.2015)

sábado, 14 de novembro de 2015

Aguardo-te

Porto, 2015 © Adelina Silva

Aguardando-te, amor, revejo os dias
Da minha infância já distante, quando
Eu ficava, como hoje, te esperando
Mas sem saber ao certo se virias.

Vinicius de Moraes


sexta-feira, 30 de outubro de 2015

É o fim do caminho

Zambujeira do Mar, 2015 © Adelina Silva

(...)
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
São as águas de março fechando o verão
É promessa de vida em nosso coração

Cecília Meireles


domingo, 18 de outubro de 2015

Praia de Esquecimento

Póvoa de Varzim, 2015 © Adelina Silva

Fujo da sombra; cerro os olhos: não há nada.
A minha vida nem consente
rumor de gente
na praia desolada.

Apenas decisão de esquecimento:
mas só neste momento eu a descubro
como a um fruto rubro
de que, sem já sabê-lo, me sustento.

E do Sol amarelo que há no céu
somente sei que me queimou a pele.
Juro: nem dei por ele

quando nasceu.


David Mourão-Ferreira, in "Tempestade de Verão"


sexta-feira, 2 de outubro de 2015

...E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso.

Troia, 2015 © Adelina Silva

(...)
Se o homem fosse, como deveria ser,
Não um animal doente, mas o mais perfeito dos animais,
Animal directo e não indirecto,
Devia ser outra a sua forma de encontrar um sentido às coisas,
Outra e verdadeira.
Devia haver adquirido um sentido do «conjunto»;
Um sentido, como ver e ouvir, do «total» das coisas
E não, como temos, um pensamento do «conjunto»;
E não, como temos, uma ideia do «total» das coisas.
E assim - veríamos - não teríamos noção de conjunto ou de total,
Porque o sentido de «total» ou de «conjunto» não seria de um «total» ou de um «conjunto»

Mas da verdadeira Natureza talvez nem todo nem partes.
(...)


Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"