domingo, 30 de maio de 2010

Aparências



Póvoa de Varzim, 2010 © Adelina Silva


Tenho dias em que todas as pessoas me dão a impressão de pequeni­nas figuras de papel sem expressão, sem vida. Estou falando a V. Exa. com o coração nas mãos, com a franqueza com que não falo a ninguém. Até estou admirada de mim própria; mas não admira talvez este feitio pouco comunicativo, em vista de não ter conhecido ninguém culto e sincero e amigo a quem eu pudesse ter falado assim um dia. Mãe já a não tenho há muito; tenho 22 anos e não me recordo nem da cor dos seus cabelos; irmãs nunca tive, e amigas tenho as que toda a gente tem. Amigas... conhecidas, por outra, tenho muitas, princi­palmente nesse meio de luxo e opulência em que a principal felicidade consiste num chapéu ou num vestido da moda. Eu não as entendo, nem elas a mim me entendem, e eu não sei se serão elas ou eu a razão, neste mundo em que cada um vive para si. Eu sou refractária a todas as altas questões de elegân­cia, e se um vestido ou um chapéu me encanta é apenas pela porção de arte que eles podem conter, e nada mais. Já vê V. Exa. que, se esta maneira de sentir não é bem um defeito, é ao menos uma feição desagradável do meu carácter.

Florbela Espanca, in "Correspondência (1916)

Sugestão Musical

Yann Tiersen / Al Bowlly – Guilty

3 comentários:

Anónimo disse...

Belas fotos, parecem de algum espetáculo de rua, ou alguma comemoração? De onde são e o que significam?
Sds. Um beijo
Marzie

Remus disse...

Um luxo... nos dias de hoje.
Três momentos inesperados e bem concretizados.

mfc disse...

Compreender a simplicidade é complexamente simples!