terça-feira, 14 de setembro de 2010

Momento que passa

Bombarral, 2010 © Adelina Silva

Vive o instante que passa. Vive-o intensamente até à última gota de sangue. É um instante banal, nada há nele que o distinga de mil outros instantes vividos. E no entanto ele é o único por ser irrepetível e isso o distingue de qualquer outro. Porque nunca mais ele será o mesmo nem tu que o estás vivendo. Absorve-o todo em ti, impregna-te dele e que ele não seja pois em vão no dar-se-te todo a ti. Olha o sol difícil entre as nuvens, respira à profundidade de ti, ouve o vento. Escuta as vozes longínquas de crianças, o ruído de um motor que passa na estrada, o silêncio que isso envolve e que fica. E pensa-te a ti que disso te apercebes, sê vivo aí, pensa-te vivo aí, sente-te aí. E que nada se perca infinitesimalmente no mundo que vives e na pessoa que és. Assim o dom estúpido e miraculoso da vida não será a estupidez maior de o não teres cumprido integralmente, de o teres desperdiçado numa vida que terá fim.

Vergílio Ferreira, in "Conta-Corrente IV"

4 comentários:

mfc disse...

A diagonal perfeita... num dia lindo!

Anónimo disse...

Sim, isso é o mesmo que meditar, que estar centrado e inteiro em tudo que há de vivo em nós, mas como é difícil chegar aí. O certo é que esses são momentos preciosos que nos fazem saber quem somos.Um beijo
Marzie

Remus disse...

Mas isto é natação sincronizada.
Até as patas estão todas viradas para o mesmo lado. :-)

Um momento e pormenor imperdível e muito bem concretizado.

poemas do pais da vida disse...

Quando o percurso a fazer está impregnado do espírito colectivo, transforma-se num ponto cadeal da vida que nos foi dada viver.