quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Acto de Amor

Sevilha, 2009 © Adelina Silva



Da janela avista-se uma linha verde de ervas, rasteiras e macias, tão macias que podemos imaginar um corpo nu deitado sobre elas, entregando-se, num acto amoroso, à natureza que o gerou e completa. Cresce sobre essa linha uma árvore ainda jovem, com o tronco rasgado em dois braços abertos, erguidos para o céu. Pelas mãos de ambos chega-nos aos ouvidos uma melodia breve, um rumor elemental que nos fere os sentidos e ecoa pelas cavidades interiores do corpo, como um fio de água límpida que corre numa fonte, bem perto dali.
Há ainda uma casa sobre a linha verde de erva macia. É castanha, da cor da terra que não se vê da janela. Nasceu dos trabalhos da mão de ambos os poetas, a árvore e o jovem que há pouco, debaixo dela, se deitava com a erva. Cada uma das pedras que a erguem na paisagem, diante dos nossos olhos, é um som cristalino e puro. É nela que o poeta regista os acordes do solene acto de amor que vive com a natureza. É nela que se concentra o vivo lume dos cíclicos exercícios da sua mão, que colhe os frutos da árvore, e da sua boca, que canta o seu sabor.
Circulam por entre as linhas desta mínima visão, algumas das mais ternas razões que poderemos ter, neste Inverno, para ler a poesia de Eugénio de Andrade. Porque dentro de casa está o fogo, o vivo lume que nos aquece as mãos. Entremos.
José Pedro Ferreira,
in Eugénio de Andrade – Textos e Pretextos, Inverno 2004, nº 5

3 comentários:

mfc disse...

Uma descrição onde a placidez é aparente, onde se sente o desenho vivo dos sentidos... algures no esconso jardim.

Remus disse...

Tal e qual a minha casa. :-) :-)

A moldura vegetal resultou muito bem e aconchegou a arquitectura.

Arnaldo Macedo disse...

ENTREMOS... Já penetrei... Enquanto as linhas verdes de ervas crescem no seu exterior numa ilustração que é obra da mão do tempo... Porque dentro de casa está uma caixa de cartas de amor, historias de sedução, o fogo, o vivo lume... Belo enquadramento, musica, foto, letras... Parabéns *****************... Estrelas