sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Quem abre a porta ao gato?


Monção, 2011 © Adelina Silva

Quem há-de abrir a porta ao gato
...quando eu morrer?

Sempre que pode
foge prá rua
cheira o passeio
e volta para trás,
mas ao defrontar-se com a porta fechada
(pobre do gato!)
mia com raiva
desesperada.

Deixo-o sofrer
que o sofrimento tem sua paga,
e ele bem sabe.

Quando abro a porta corre para mim
como acorre a mulher aos braços do amante.
Pego-lhe ao colo e acaricio-o
num gesto lento,
vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele olha-me e sorri, com os bigodes eróticos,
olhos semicerrados, em êxtase,
ronronando.

Repito a festa,
vagarosamente,
do alto da cabeça até ao fim da cauda.
Ele aperta as maxilas,
cerra os olhos,
abre as narinas,
e rosna,
rosna, deliquescente,
abraça-me
e adormece.

Eu não tenho gato, mas se o tivesse
quem lhe abriria a porta quando eu morresse?

António Gedeão

4 comentários:

Manu disse...

Um poema extraordinário e cheio de um erotismo saudável.
Adoro gatos e este é uma ternura
Manu

Remus disse...

Não sei responder à pergunta. Mas sem dúvida que ela nos deixa a pensar.
Espero que este gato em particular, tenha alguém que lhe abra a porta.

Fábio Martins disse...

Grande vida a desse menino :)

mfc disse...

Embora praticamente só goste de cães... esta placidez dos gatos encanta-me!