Viu ainda dois olhos enormes, redondos, saltados e interrogativos – tinha olhar de quem tem uma asa ferida – distúrbio talvez da tiróide, olhos que perguntavam. A quem interrogava ela? a Deus? Ela não pensava em Deus, Deus não pensava nela. Deus é de quem conseguir pegá-lo. Na distracção aparece Deus. Não fazia perguntas. Adivinhava que não há respostas. Era lá tola de perguntar? E de receber um “não” na cara? Talvez a pergunta vazia fosse apenas para que um dia alguém não viesse a dizer que ela nem ao menos havia perguntado. Por falta de quem lhe respondesse ela mesma parecia se ter respondido: é assim porque é assim. Existe no mundo outra resposta? Se alguém sabe de uma melhor que se apresente e a diga, estou há anos esperando.
Enquanto isso as nuvens são brancas e o céu é todo azul. Para que tanto Deus. Por que não um pouco para os homens?
Clarice Lispector, in “A Hora da Estrela”
3 comentários:
Procuramos demasiadas explicações e pouco nos contentamos com a apreciação simples e total do belo.
Ligamos vezes demais o complicómetro...
A nossa Póvoa tem um céu lindo, não tem?!
Fotografia tão simples e tão bela.
Fiquei completamente rendido.
Parabéns.
Fotografia belissima e Clarice Lispector. muito bonito.prabéns
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